Neste seu primeiro ensaio sensual, nós bem que tentamos.
Leandra Leal é sexy, determinada, bem resolvida — embora viva se questionando
sobre tudo
Se alguém, na história humana, foi capaz de descrever o que pensa uma mulher
quando, sem razão aparente, interrompe o que está dizendo para levar o dedo à
boca, esse alguém achou melhor calar. Passamos a vida especulando, sem nenhum
compromisso com a objetividade. É que nós, homens, não conseguimos parar de
tentar entendê-las. Ter diante de si Leandra Leal, 1,70 de altura, uma pinta
perto da boca, leva qualquer um a insistir na tarefa. Ao mesmo tempo que tento
decifrá-la, sei que não posso ser menos que brilhante para conversar com
Leandra. E me descubro numa enrascada, já que a moça tem verdadeira aversão a
pessoas que procuram explicá-la.
“Me sinto muito bem sozinha. Preciso de momentos sozinha”, ela diz. Não é um
princípio auspicioso para a entrevista. Por sorte, é mentira. Leandra quer
falar. E tem muito, muito sobre o que falar. Está tocando pelo menos seis
projetos.
Ela produz e atua em três filmes. Dirige um documentário. Um dos filmes,
Estamos Juntos, estreia neste mês. É a história de uma médica residente que se
descobre com uma doença rara. Há Divinas Divas, um documentário/musical escrito
e dirigido por ela, sobre os primeiros travestis a se apresentarem no Brasil.
Outro longa: Love Film Festival, em que interpreta uma roteirista apaixonada por
um ator colombiano. Grava também um filme chamado Éden: “A história de uma
mulher da minha idade que tem uma loja de piscinas na Avenida Brasil, no Rio.
Seu marido é morto por engano por um traficante e ela decide se vingar, ao mesmo
tempo que começa a frequentar uma igreja evangélica”.
Leandra também toma conta do teatro de sua família, chamado Rival, no Rio de
Janeiro. Ela espera reabilitar o Prêmio Petrobras de Música no Rival em breve.
Enquanto recebe maquiagem na boca, consegue falar sem abrir os lábios, deixando
passar, na forma de delicados silvos, o sotaque carioca. “Meishmo”, ela sublinha
impávida, enquanto o assistente macera seus lábios com um pincel besuntado de
batom rosa-claro.
Hoje o Rival, além de espetáculos teatrais, encampa uma das melhores baladas
do Rio. Leandra, a microgerente relutante, toma conta da programação musical.
“Comecei a fazer uma balada para que meus amigos curtissem muito, baseada no meu
gosto pessoal”, diz. Ela foi casada com o músico Lirinha, da banda Cordel do
Fogo Encantado, por oito anos. Agora namora Ale Youssef, dono de uma das mais
influentes casas de show de São Paulo.
Leandra, já dá para chamá-la de “empresária de sucesso”, não é? “Não, não sou
empresária, pelo amor de Deus.”
É o quê, então? “Desde os 17 anos eu produzo espetáculos. Não por uma coisa
empresarial, mas por uma necessidade artística de realizar, fazer
acontecer.”
Então você é uma empresária, Leandra.
“Não. Eu só… Sei lá. Faço coisas que não existem porque eu sinto falta
delas…”
Leandra tem uma dificuldade enorme em concordar com o que lhe dizem. É um
defeito infantil que ela tem e talvez não saiba.
Como atriz global, já viveu uma miríade de mocinhas singelas, adolescentes
sonhadoras e jovens amélias em geral. Seu physique du rôle até os 20 e poucos
anos, cabelos cacheados, bochecha rosada, quilinhos a mais, ameaçava torná-la
uma atriz “typecast”, aquela que só é escalada para um tipo de papel. Talvez
para evitar isso, já aos 19 anos produziu, escreveu e dirigiu Impressões do Meu
Quarto, peça sobre uma moça com dor de cotovelo. Uma das influências alegadas
por Leandra foi a escritora Clarice Lispector.
Em 2010, ela interpretou, novamente, seu resignado papel de mocinha. “Como
atriz, você é uma pequena parte do processo, tem de aprender os limites que você
tem”, diz. Na pele de Agostina Mattoli, uma italiana certinha que se descobre
vértice de um triângulo amoroso, foi uma das personagens mais queridas de
Passione. A novela a fez voltar a seu Rio de Janeiro natal, após uma longa
temporada de estudo e autoconhecimento em São Paulo. Na capital paulista, se
apaixonou pela prosa da gaúcha Clarah Averbuck e topou estrelar um filme,
baseado nos textos da escritora, em que fica nua por muito, muito tempo.
“Esse filme, Nome Próprio, é o símbolo do meu momento em São Paulo.”
Faria as cenas de novo?
E é aqui que transparece como é incômodo para uma atriz de 28 anos ser
“obrigada” a conversar com um desconhecido. Com mais que uma ponta de
indignação, ela diz:
“Claro que sim. Por esse filme, faria tudo.” Não percebo nota de hesitação em sua voz. “Não teria outra forma de fazer. Não dava para ser meia-bomba.”
“Claro que sim. Por esse filme, faria tudo.” Não percebo nota de hesitação em sua voz. “Não teria outra forma de fazer. Não dava para ser meia-bomba.”
Depois da fase introspectiva, você parece ter mudado para melhor, não
é?
“Sim, estou mais madura. Não sei se é o retorno de Saturno.”
“Sim, estou mais madura. Não sei se é o retorno de Saturno.”
Uma pequena glória ouvir Leandra Leal finalmente concordar com algo que você
diz. Você teve essa fase “para dentro”. Agora você quer se mostrar, não
é?
“Não é me mostrar. Acho que agora, apesar de ser atriz, meu objetivo não é mostrar, mas realizar. Agora eu desabrochei, é um movimento da natureza.”
“Não é me mostrar. Acho que agora, apesar de ser atriz, meu objetivo não é mostrar, mas realizar. Agora eu desabrochei, é um movimento da natureza.”
Engraçado como ela concorda discordando. Isso dá a sensação, ao
entrevistá-la, de estar num elevador em que o botão do andar almejado não
funciona. É preciso saltar num andar acima ou abaixo e vencer um lance de
escadas.
Você sabe onde vai estar daqui a cinco anos?
“Não sei. No ano que vem posso mudar de ideia. Sei das coisas que quero fazer no ano que vem. E também coisas genéricas. Tipo que grau de independência quero na minha vida…”
“Não sei. No ano que vem posso mudar de ideia. Sei das coisas que quero fazer no ano que vem. E também coisas genéricas. Tipo que grau de independência quero na minha vida…”
Caso o leitor não tenha entendido direito: ela primeiro diz que não sabe onde
estaria em cinco anos, mas no fim diz que sabe.
“Fiquei pensando, depois que falei com você, que eu tenho uma coisa de pensar a respeito da minha pro fissão. Penso sobre o ofício do ator hoje no Brasil.”
“Fiquei pensando, depois que falei com você, que eu tenho uma coisa de pensar a respeito da minha pro fissão. Penso sobre o ofício do ator hoje no Brasil.”
Pensa na função social?
“Não. Não é a função social. Eu faço cinema. Estou dentro desse lugar, dessa classe. Penso no que a gente quer. O que a gente quer fazer. O que a gente precisa alcançar” — o que é exatamente pensar na função social da profissão.
“Não. Não é a função social. Eu faço cinema. Estou dentro desse lugar, dessa classe. Penso no que a gente quer. O que a gente quer fazer. O que a gente precisa alcançar” — o que é exatamente pensar na função social da profissão.
Para fazer tantas coisas ao mesmo tempo, você não pode se apegar muito, não
é?
“Não! Eu sou totalmente obcecada. Eu sou totalmente obcecada.”
“Não! Eu sou totalmente obcecada. Eu sou totalmente obcecada.”
Então você não tem muito tempo livre.
“Não! Eu súper tenho o meu ócio. Eu me obrigo a ter.”
“Não! Eu súper tenho o meu ócio. Eu me obrigo a ter.”
Um pouco entediados, passamos a coisas mais frugais. Ela faz pilates desde
que operou o joelho e está apaixonada por essa técnica de exercícios. Gosta
muito de cozinhar, embora não saiba. E então falamos de cerveja. No último
Carnaval, um paparazzo fez alguns cliques de Leandra com os olhos bem
pequenininhos, já de manhã, de meia arrastão, tomando cerveja. Uma cena
belíssima, diga-se de passagem.
“Cerveja. Sim, total. Sou muito mais a cerveja do que qualquer outra bebida.”
“Cerveja. Sim, total. Sou muito mais a cerveja do que qualquer outra bebida.”
Ela diz que medita duas vezes ao dia, 20 minutos de manhã e 20 minutos à
tarde. Medita mas fuma.
“A gente é isso, incoerente. Eu passo longe da perfeição. Esse é um problema meu, uma das coisas que eu quero largar. Antes pensava: ‘Ah, eu fumo e foda-se’. Mas, meditando, diminui muito a bebida.”
“A gente é isso, incoerente. Eu passo longe da perfeição. Esse é um problema meu, uma das coisas que eu quero largar. Antes pensava: ‘Ah, eu fumo e foda-se’. Mas, meditando, diminui muito a bebida.”
Meditação é coisa de quem está tentando se entender, não é?
“Olha, acho que minha religião é autoconhecimento. Eu tenho o meu caminho e embarco nele. Análise, meditação… Não faço isso por causa do sofrimento, porque estava deprimida. ‘Como viver sem se conhecer?’, eu penso. O que eu faço é muito… para fora. Essa profissão exige muito que você se conheça.”
“Olha, acho que minha religião é autoconhecimento. Eu tenho o meu caminho e embarco nele. Análise, meditação… Não faço isso por causa do sofrimento, porque estava deprimida. ‘Como viver sem se conhecer?’, eu penso. O que eu faço é muito… para fora. Essa profissão exige muito que você se conheça.”
Me diz uma coisa que você aprendeu depois que se conheceu melhor.
“Que eu não suporto dependência. Gosto de parceria. Pense numa coisa que me agonia. Se eu depender de alguém ou se alguém depender de mim. Se alguém depender de mim, é até pior.”
“Que eu não suporto dependência. Gosto de parceria. Pense numa coisa que me agonia. Se eu depender de alguém ou se alguém depender de mim. Se alguém depender de mim, é até pior.”
Você acha que se interessar por travestis — homens que se tornam mulheres
todas as noites — no documentário que vai produzir tem a ver com sua evolução de
atriz mirim até mulherão?
“Toda mulher tem um processo natural assim. Seja para os olhos de milhões de pessoas, seja para o olhar dos pais. Qual é mais importante? Não sei. Acho que me tornar mulher foi mais prazeroso do que difícil. Nem fodendo eu quero voltar a ser jovem.”
“Toda mulher tem um processo natural assim. Seja para os olhos de milhões de pessoas, seja para o olhar dos pais. Qual é mais importante? Não sei. Acho que me tornar mulher foi mais prazeroso do que difícil. Nem fodendo eu quero voltar a ser jovem.”
A conversa vai chegando ao fim, naturalmente. Nos estertores do papo, porém,
surge um assunto que reacende o interesse de Leandra. Uma ideia que ela
teve.
“Um site em que a pessoa escreva coisas que acha que precisam ser inventadas. Um banco de ideias. Todo mundo pode colocar ideias. Vai que outra pessoa saiba fazer exatamente aquilo, leia e crie a tal coisa!”
“Um site em que a pessoa escreva coisas que acha que precisam ser inventadas. Um banco de ideias. Todo mundo pode colocar ideias. Vai que outra pessoa saiba fazer exatamente aquilo, leia e crie a tal coisa!”
É uma ideia fabulosa.
“Mas tem que ter programador. Isso é um parceiro que falta na minha vida. Um bom programador.”
“Mas tem que ter programador. Isso é um parceiro que falta na minha vida. Um bom programador.”
O que você acha de criar uma regra que dê 10% dos ganhos das ideias
utilizadas a quem a concebeu?
“Acho que não deve ter autoria.”
“Acho que não deve ter autoria.”
E aí está Leandra Leal, senhoras e senhores. Uma musa em ascensão, empresária
diletante, cineasta arrebatada, atriz de novela, escritora, protagonista de
filme-cabeça, mulher misteriosa — e autora de uma das melhores ideias a surgir
na internet em algum tempo (esperamos que ela a ponha logo em prática). Leandra
é tudo isso. Mas não peça a ela que se explique. Ela vai dizer que não se
entende. Embora saiba — e muito bem — quem é.
Crédito:revistaalfa.abril.com.br
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